Alta gastronomia e a geração das canetinhas O que sobra quando o prazer vira caloria?
27.10.2025
Comer bem virou problema. E o prato, inimigo.
Vivemos a era da Ozempic, da Mounjaro, das “canetinhas” que prometem controlar o apetite, acelerar o emagrecimento e, de quebra, congelar o desejo. (Quem não conhece alguém?!?)
Gente que antes via comida como celebração, agora olha para o couvert como se fosse veneno.
O prazer foi sequestrado pela culpa.
E, com ele, o lugar da gastronomia na cultura.
Mas ninguém está falando disso.Não por essa perspectiva.
Eu não sou da área da saúde e não tenho conhecimento aprofundado sobre isso. Mas percebo que o caso aqui não é só clínico, é simbólico.
Estamos diante de uma crise de percepção: se o apetite é freado pela injeção, o que acontece com o desejo?
Aquele impulso de “quero provar”, “quero me permitir”, “quero sair da rotina”… muda muito.
E é aqui que a alta gastronomia (e a gastronomia em geral) precisa parar de cozinhar só com ingredientes e começar a temperar com significado.
O apetite domesticado e o novo purgatório do paladar
“Comer menos” virou símbolo de autocontrole.
Como se sentir fome fosse um defeito. Como se degustar algo bom fosse fraqueza.
As “canetinhas” resolveram um problema clínico real, mas criaram um efeito colateral cultural: desvalorizaram o prazer como parte da experiência humana.
O artigo da Esquire aponta que, segundo uma pesquisa da Morgan Stanley, 63% dos usuários de GLP-1 reduziram gastos em restaurantes e 61% em delivery.
E aí, entra você. Chef, dono de estabelecimento, dono de restaurante, criador de experiências sensoriais.
De tempos em tempos se perguntando por que mesmo com tantos prêmios, o salão anda vazio. Ou por que seus vídeos bonitos não convertem em reservas.
É bem simples: porque o cliente mudou. E você ainda está tentando convencê-lo com uma lógica antiga.
Antes, a imagem de um prato perfeito (aquele foodporn) bastava para gerar desejo. Hoje, pode causar ansiedade.
Antes, o storytelling era sobre sabores. Agora, precisa ser sobre o que está além deles.
A comida deixou de ser comida. E virou código.
Se a canetinha desliga o impulso, a comunicação precisa religar o significado.
Alta gastronomia não é só sobre saciar. É sobre significar.
Tenho em mente sempre que a alta gastronomia é sobre fazer com que cada garfada seja uma declaração.
Como um lembrete: você merece isso. Você está vivo. Você ainda sente.
O problema é que quase ninguém está contando essa história.
A maioria ainda está vendendo o produto: o polvo, o demi-glace, o mil-folhas. Mas o novo público (esse mesmo que injeta “saciedade”) só vai se mover se você vender uma ideia. Um valor. Uma memória. Uma experiência.
O mesmo que as levaram a fazer a decisão pela medicação.
E quem conta essa história não é o cardápio. É a narrativa. É o audiovisual documental.
“Mas eu não vendo emoção. Eu vendo comida.”
E é por isso que talvez esteja nessa situação atual e que estejam te confundindo com o restaurante do lado.
Porque quem vende só comida, está vendendo algo que o cliente novo quer consumir cada vez menos.
Ou que, pelo menos, não quer mais pagar tão caro para consumir.
Agora, se o seu restaurante começa a ser visto como um santuário do sensorial… como um território onde o tempo desacelera, onde o gesto importa, onde a experiência toca algo que vai além da fome física…
Aí, sim, você para de competir por preço.
Você começa a disputar por significado.
E aí, não tem canetinha que tire isso do cliente.
O prazer precisa de defensores
Alguém precisa bancar a defesa do prazer. Do ritual. Da mesa posta. Do pão quente com manteiga no ponto certo. Do silêncio respeitoso entre uma garfada e outra.
E quem vai fazer isso não é o médico, nem o influenciador. É o chef. É o restaurante. É você.
Só que ninguém defende o prazer com um post bonito. Com um Reels de 15 segundos. Com um menu escrito em francês.
Você defende o prazer com história. Com contexto. Com verdade. Com audiovisual que mostre o que está por trás da escolha de um ingrediente, do design da taça, do som ambiente do salão. E com sabor e comida boa, com toda certeza.
Isso eu nem discuto mais.
É o documentário estratégico que devolve profundidade à experiência.
Porque enquanto a Ozempic/Mounjaro tira o apetite, o audiovisual certo devolve o desejo.
“Vocês quebram as canetinhas?”
Não. A gente ajuda marcas gastronômicas a se posicionarem num novo contexto.
Criamos documentários que não são sobre comida. São sobre tudo o que a comida representa. Sobre o que ela revela. Sobre o que ela provoca no outro.
E, mais importante: criamos marcos. Peças que demonstram e firmam a evolução da marca. Que mostram onde ela esteve e onde ela está agora.
Porque, sim: dá pra medir isso. Dá pra ver no tipo de cliente que passa a frequentar. No tipo de comentário. No tempo que ele fica no site. No aumento de recorrência.
Quando o prazer vira ativo de marca, ele começa a render.
E é aí que o luxo deixa de ser supérfluo e vira ferramenta de conexão.
Prazer não é o oposto de disciplina. É o que dá sentido a ela.
Quem se relaciona com comida só por caloria perde a parte mais humana da experiência. Mas quem tem coragem de ressignificar o prazer, ganha um território de marca que ninguém mais vai ocupar.
Dois caminhos à frente para a alta gastronomia
A alta gastronomia tem dois caminhos daqui pra frente: ser lembrada como um luxo culposo, uma refeição de “me dei o luxo, agora me sinto culpado”. Ou ser vista como uma arte que nos reconecta com o essencial.
E se você puder mostrar isso com verdade, com profundidade, com imagem e narrativa… então seu restaurante não vai ser mais “um entre tantos”.
Vai ser o único.
Você quer ser lembrado como mais um lugar com comida boa? Ou como o lugar onde o cliente voltou a sentir prazer… mesmo depois da canetinha?
Talvez o problema não seja seu prato.
Talvez seja a forma como ele está sendo contado.
Um café quente e uma mente presente.
Renan.